21 junho, 2008

certos silêncios certos


Just, J.
a question of silence
(2008)




"Mas, mãe - disse eu -, não acha que é tarde para um divórcio? Tem setenta e seis anos.
Ela, porém, já estava a chorar lastimosamente. O que também me surpreendeu.
_ Ele não dá ouvidos ao que eu digo. Interrompe-me constantemente para falar de outra coisa qualquer. Quando saímos ainda é pior. Não me deixa sequer falar. Se abro a boca, manda-me logo calar. À frente de toda a gente. Como se eu não existisse.
_ Diga-lhe que não faça isso.
_ Não faria a mínima diferença.
_ Nesse caso, volte a dizer-lhe e, se mesmo assim não der resultado, levante-se e diga: "Vou para casa." E vá.
_ Oh, meu querido, eu não seria capaz de fazer tal coisa. Não o embaraçaria dessa maneira. Não na presença de outras pessoas.
_ Mas acabou de me dizer que ele a embaraça quando estão com outras pessoas.
_ Isso é diferente. Ele não é como eu. Não suportaria uma coisa dessas, Philip. Desmoronar-se-ia. Isso matá-lo-ia."
Philip Roth, Património, Ed. Dom Quixote, 34/35

[depois de ter lido o post de Fernanda Câncio sobre grupos de risco e estudos muuuuuito sérios e assim (Posted using ShareThis)]

10 comentários:

Unknown disse...

Realmente, são assuntos muito sérios, mesmo!...
.
[Beijo, com um ar muito sério]

Pulsante disse...

Podes partilhar o que te levou a esta associação?...

Pulsante disse...

...é que são silêncios de natureza completamente diferente...

mdsol disse...

um ar de:
pois são!
:)

pulsante:
exactamente. mas são silêncios. e, normalmente, silêncios femininos. e resignações e lutas! e... nem só os vírus vírus são mortais!
:)

mdsol disse...

Pulsante: o bocado de texto que se segue é do texto da FCâncio:
Como não poderia associar?

"Ana teve sorte, acha. Com os filhos, bem entendido. Quando há cinco anos e quatro meses - ela sabe de cor - descobriu o diagnóstico, os dois rapazes, na casa dos trinta anos, “ficaram muito revoltados”. Disseram-lhe para deixar o pai. “Ele não é digno de que estejas com ele, repetiam. O mais novo até quis deixar de lhe falar, mas eu não deixei. É o pai dele, deve-lhe a vida. Ainda hoje tem grande relutância em falar com ele, mas consegui que não cortassem relações.” E ela ficou. “Ele é diabético, depende de mim para tudo, para orientação, para medicação. O mal está feito. Se o deixo é matá-lo. Lentamente mas mato-o. Tenho muita fé, pedi a Deus coragem e luz suficiente para aguentar este pesadelo. Também pedi para o meu marido. Ele é católico como eu.”
Eu até achei linear... a comparação

Pulsante disse...

Visto assim entendo...mas é uma falsa linearidade. Ou melhor, poderá ser verdadeira na comparação entre o escrevinhar da Câncio e o o trecho do romance de Roth, mas é uma linearidade absolutamente falsa sob a perspectiva global do livro. As apaências iludem e as descontextualizações muito perigosas.
Quanto às ditas resignações e lutas já são mais as "cada qual tem o que merece" dos que resultantes de inevitabilidades. Femininas ou masculinas.

O natural de Barrô disse...

O pulsante tem razão. Mas o post está muito belo, e, é um bom motivo de reflexão.

O natural de Barrô disse...

" Nada dura e, todavia, nada acaba, também. E nada acaba precisamente porque nada dura. "
Excerto de " A Mancha humana" de Philip Roth

mdsol disse...

pulsante

Não se trata aqui de fazer a exegese da obra de Roth nem sequer desta em particular. Trata-de de reforçar, com outra leitura, mais elaborada, uma leitura da actualidade.
Por isso, não acho que deva estar preocupada com os problemas da contextualuzação ou descontextualização. Aliás, eu não proponho nenhuma metodologia de leitura. Não se trata de doutrinar. Eu proponho e quem lê, lê o que o seu quadro de referências e a sua vontade lhe permite!
:)

o natural de barrô:
ok. Não é minha intenção como disse na resposta ao pulsante, fazer a inter+retação da obra de Roth nem sequer desta obra "Património"...
Trta-se como bem concluís de um motivo para pensar em algumas coisas que, sendo muito diferentes, tocam em partituras semelhantes da natureza humana.
:)

mdsol disse...

natural de barrô

respondi antes de ver a tua citação... que agradeço
:)