12 novembro, 2008

conversas com a Isaura (8)


McLennan, R.
picnic


Querida Isaura*
Há já algum tempo que não dou notícias. E se tem havido motivos! Mas tenho andado ocupada o suficiente para que as cartas escasseiem. Dizem-me todos os dias que o país está muito mal e que o mundo não anda melhor, apesar da eleição de Obama poder ser uma centelha de esperança para uma qualquer mudança para melhor. Não sei! Não acredito em messias, embora acredite que uma pessoa pode fazer a diferença. Sabes como sou paradoxal por vezes!
Em relação aos assuntos caseiros, o que mais me angustia é a falta de alternativas à vista e com pernas para andar! Porque o mundo está complicado. E, se são as ideias que fazem girar o mundo, estas também têm de se traduzir em acções que não traiam essas mesmas ideias e, sobretudo, não tornem as palavras que as enunciam em palavras vãs. P0r mim, desde há uns tempos, e por questões de mera sobrevivência, resolvi tentar olhar para o copo meio cheio em vez de olhar o copo meio vazio. Mas confesso que essa decisão se torna difícil de colocar em prática quando penso no futuro do meu filho e, com o dele, no dos jovens deste tempo e deste país. A lógica da organização do mundo está a mudar de valores e de lugar. Reconheço no tempo que passa o verso que nos diz que "todo o mundo é composto de mudança, tomando sempre novas qualidades." Saber sondar atentamente os meandros dessa mudança e influir para que o seu sentido vá na direcção da conveniência humana, do viver bem, será um talento nem sempre fácil de conseguir.
Esta "nossa" geração foi tramada pela história: conhecemos a tristeza e a amargura do antes, empolgamo-nos, empenhamo-nos e quase nos esgotamos na possibilidade da mudança plena e, agora, num altura que deveria ser de tranquilidade, confrontamo-nos com a mudança de paradigma a ser configurado por muita asneira que se foi deixando fazer e por muito caminho titubeado na aplicação confusa de valores fundamentais.
Sabes o que me consola mesmo? Ir descobrindo pessoas novas, como a Carminda, que me mostram que, apesar da aspereza do tempo, têm um coração doce e não se demitem de pensar e intervir.
Beijos

* Esta carta começou por ser um comentário que deixei no blog FORUM CIDADANIA da Carminda Pinho.
:))

José Afonso, vampiros (ao vivo...lindo...)

20 comentários:

Osvaldo disse...

Olá Mdsol;
É lindo e quase com uma certa timidez, ousamos ler algo que parece quase que privado...
Que pessoa maravilhosa deve ser a Carminda para que uma amiga lhe envia algo tão profundo, sincero e... elegante.
Parabéns
bjs

bettips disse...

Perdi o 2º aniversário mas nunca mais perco a beleza do encontro. Obrigada porque existes!
A carta é uma profunda reflexão desapaixonada sobre esta nossa orla, esquecida, na privação do passado, na alegria da mudança e receando o futuro. Quando tanto investimento se sente em pleno desperdício e tão poucas vozes falam a mesma língua.
Bjinho

Duarte disse...

Ora bem, por fim a dona Isaura...
Que posso agregar? Se esta menina já disse tudo. Num ápice falou-lhe de política, de economia e até de pessoas doces. Do último é do que mais falta temos.
Que tudo siga bem e a cuidar-se muito.

Beijinhos

:)))

Anónimo disse...

Sortilégio deste desgraçado lugar os vampiros enxotados pelos cravos terem sido prontamente substituidos por outros, de fino trato.
Frequentam agora altas esferas partidárias e habitam as suas sedes, de onde vão sorvendo o país num insaciável mister de tudo sorver - á mesa da sopa dos ricos.
Dizia o outro, que os povos têm os governos que merecem. É verdade.
É pena, mas é verdade.
O triste não é a verdade dessa constatação. O triste, e lamentável, é este povo merecer algo tão mau e tão pouco.
E não se pense que o problema reside apenas nos que ciclicamente se têm sentado á mesa, pois os outros, estando de posse das chaves da cozinha, fariam ainda pior.
Mas, atenção, o problema não está no sistema partidário. Está "neste" sistema político lhes entregar as chaves da cozinha e da dispensa e os deixar á solta sem mecanismos que lhes controlem o abuso e a voracidade.
Os vampiros nossos contemporâneos, como se vê ás claras, comem muito mais e são muitos mais a comer, do que os vampirecos do outro tempo.
E não digo mais para não ser tido por "riássionário anti democrático", coisa que, de facto, não sou.
Cumprimentos

DDT (como fazia falta...)

Violeta disse...

Ir descobrindo pessoas novas, que nos mostram que, apesar da aspereza do tempo, têm um coração doce e não se demitem de pensar e intervir é sem dúvida um abenção.
Aproveita.
bjs

Sensualidades disse...

as vezes pergunto-me : porque nao sou eu uma vampira?

Jokas

Paula

Sensualidades disse...

hahahah
e viva portugal

Tou sem sono que nervos

Jokas
Paula

Sensualidades disse...

passa para ca um bocado, nao sejas sovina partilha o sono hehe

Jokas
Paula

Pulsante disse...

"Esta "nossa" geração foi tramada pela história: conhecemos a tristeza e a amargura do antes, empolgamo-nos, empenhamo-nos e quase nos esgotamos na possibilidade da mudança plena e, agora, num altura que deveria ser de tranquilidade, confrontamo-nos com a mudança de paradigma a ser configurado por muita asneira que se foi deixando fazer e por muito caminho titubeado na aplicação confusa de valores fundamentais."

E o que dizer da minha(9 anos de idade em 25.04.74)?
Levamos na tromba com as consequências da "muita asneira que se foi deixando fazer e por muito caminho titubeado na aplicação confusa de valores fundamentais", levamos uma croquada na tola com revolução cibernética e hoje somos muito velhos para o que há de novo e muito novos para o "vossa" (este vosso é entre-aspas evidentemente) desitência-nostálgica-revolucionária-mesa de café.
Ainda por cima a geração imediatamente posterior à nossa - a dos "vossos" filhos - é de uma forma geral arrogante, indolente e absolutamente dependente (e por vossa culpa) - o que nos cria dificuldades na educação dos nossos próprios filhos, em que nos preocupamos que fossem responsáveis, autónomos, ávidos de aprender e que no entanto bastava que eles olhassem para os imediatamente mais velhos e se perguntassem se efectivamente nós não estariamos completamente errados.
A vossa geração teve todas as condições de ter criado boas condições para o futuro dos vossos filhos. Desperdiçou essa oportunidade e deixou-nos a nós, pais que em 1974 tinham nove e dez anos, um satus quo assustador, porque quase inalterável, um medo terrível pelo futuro dos nossos filhos, porque efectivamente a vossa geração embora não tivesse destruído pouco ou nada construiu.
Não foi a História que vos tramou...forma vocês, vocês o da geração que aos vinte anos recebeu a liberdade.
O que nos resta? Resta-nos o "keep moving and doing".

cristal disse...

Desculpa o pulsante porque ele não sabe o que diz!!! Só pode! Os que tinham 20 anos e mais em 1974 não "receberam" a luberdade de bandeja e não estragaram a oportunidade... Que descaramento, que deturpação, que ignorância... Só pode vir mesmo de quem não faz ideia dos caminhos que tivemos que palmilhar, das forças que tivemos que esgotar e das rasteiras que tivemos que esquivar... Fomos traídos e muito também pela geração que tinha os tais 9 ou 10 anos que achou que devia receber a felicidade "ready-made" e que, se as coisas pelas quais lutávamos não se conseguiam num piscar de olhos é porque não prestavam... e foram, rapidamente colocar-se ao serviço de outras causas, inverter o caminho, sem ter em conta o palmilhado... Desculpa. Fiquei irritada... mesmo! Bjs. Se não quiseres, não publiques...

Anónimo disse...

Esta casa é boa, cheira bem e tem bom ar.
Vim pela Terra de Espantos.

Obrigado. Seja feliz.

Carminda Pinho disse...

Olá vizinha, boa noite!:)
Comecei a ler a tua conversa com a Isaura, e reconheci o comentário que deixaste lá no Forum.
Primeiro quero agradecer-te o teu carinho e amizade. Depois dizer-te que, muitos de nós somos os culpados (indirectamente, claro) pelo estado (mau) em que se encontra este Portugal de hoje.
No princípio, foi a explosão da liberdade, quem nessa altura (como eu) andava pelos 20 anos ou mais, estava tão sedento(a) de liberdade, já tinhamos passado tanto, que os excessos nos pareceram poucos, e olhando hoje para trás, acho que nos excedemos pouco.
Depois vieram os partidos, uns já formados (na clandestinidade) e os novos, formados naquela altura.
Aos partidos todos, aderiram nessa altura muitos militantes, uns bons, outros nem por isso. Vieram oportunistas, que em vez de servirem os partidos e o País se serviram dele, e dos seus concidadãos.
Tivemos não sei quantos governos, provisórios e definitivos, e a verdade é que chegámos aqui, ao dia de hoje, olhamos para trás e vemos tanta oportunidade perdida, esbanjada, tanto compadrio, tanto "tacho" sem fundo...e tudo isto tem feito escola, até aos dias de hoje, amiga.
Por isso penso que nós, somos também responsáveis, porque, se o voto é a arma do povo, usámos muitas vezes muito mal essa arma.
Quanto à falta de alternativa de que falas, eu acho que os portugueses não gostam de arriscar em novas alternativas. É comum ouvir-se:
"- ah! então e se não votar nestes, quem é que vou lá pôr, outro pior? quem sabe, se outro qualquer fará melhor?"

Os portugueses (a maioria)gostaram que Obama tivesse ganho. Tenho grandes dúvidas, que tivessem votado como os americanos, se a eleição tivesse decorrido em Portugal.
Isto já vai longo, escrevi sem rever, mas espero que esteja perceptível.

Que não sejam os nossos filhos, a pagar pelos erros que cometemos, é o que espero, mas também é verdade, que lhes demos, e continuamos a dar, mais oportunidades do que alguma vez nos deram a nós.
Agora, temos que ser (eles + nós) a tentarmos mudar o estado a que isto chegou...

Beijos

Pulsante disse...

Olha, até que enfim uma “polémica”…

"Fomos traídos e muito também pela geração que tinha os tais 9 ou 10 anos que achou que devia receber a felicidade "ready-made" e que, se as coisas pelas quais lutávamos não se conseguiam num piscar de olhos é porque não prestavam... e foram, rapidamente colocar-se ao serviço de outras causas, inverter o caminho, sem ter em conta o palmilhado... Desculpa. Fiquei irritada... mesmo! Bjs. Se não quiseres, não publiques.."

Estás completamente enganada…a minha geração nunca achou que deveria receber a a felicidade “ready made”. Bem pelo contrário. Os vossos filhos é que sim e porque os educastes assim.
Nós…nós assistimos foi à vossa desistência. Foram vocês que abandonaram as causas e trataram de construir depressinha um establishment que bem corporizaram no bloco central de interesses.
Quem desistiu de continuar caminho foram vocês e deixaram-nos apenas cross roads manhosas, acrescida do advento de uma crise civilizacional.
Foram vocês que construíram este sistema de ensino, foram vocês que saíram do MRPP para o PSD e da LSI para o PS, ou ficaram no PC a cantar loas a Cuba.
Vocês desistiram e apenas fremem de emoção ao ouvir Zeca Afonso e a vomitar atoardas politicamente muito correctas…é o vosso tributo à revolução que vos deram d emão beijada e que vocês fizeram falhada.
Vocês tinham vinte e trinta anos nos finais de setenta e nos inícios dos oitenta. Eram os homens e as mulheres feitas - os ADULTOS - da altura certa. E têm hoje entre cinquenta e sessenta, ou seja sois os donos do sistema.
A minha geração era adolescente em 1979 e em 1980 e só encontrou as vossas contradições e a vossa espantosa apetência para o aburguesamento e para a “carreirinha” e mesmo assim teve a sabedoria instintiva de não se ter extremado.
E esta geração, a minha, nem sequer acredita na felicidade, quando muito em momentos felizes, quanto mais recebê-la “ready-made”!!!
E esta geração, a minha, aprendeu depressa a desprezar as vossas ilusões deliberadamente teatralizadas – ilusões sim porque fostes incapazes de ter a coragem de ver a realidade tal qual ela era e transformá-la para melhor, preferindo mascará-la em espasmos vodka-caviar, em tiques fossilizados à maneira de 68 -para poder sonhar e fazer melhor que vocês fizeram, sem sequer termos a garantia da pensão de reforma.

PS A arrogância com que afirmas "que eu não sei o que digo" - e podes crer que embora saiba muito pouco sei, seguramente, muito mais do que tu julgas que eu sei, pelo menos sei o suficiente para andar nesta sistema de vendilhões que vós construistes sem me vender a nenhum deus - é a melhor ilustração possível à crítica que fiz à tua geração.

Irrita-te mais um bocadinho…vá…

Anónimo disse...

Se me metesse a comentar os comentários não sei onde iria parar...De modo que fico calado...
O seu texto é óptimo. E tenho que lhe agradecer ter-me dado a conhecer o blog Forum..., que fui ver (e já linkei).
È tarde, hoje já não escrevo mais.
Até amanhã.
:))) José-Carlos

Anónimo disse...

Debate aceso que por aqui vai!…E eu com sentido de culpa por ter escrito demais, agora entro também na conversa. Tinha lido mais cedo o post e à noite, enquanto esperava comboio, fui ‘escrevinhando’ alguma coisa.
Cartas, pois…há aquelas superficiais e de circunstância (melhor nem escrevê-las) ou aquelas que se colocam íntimas, próximas, reveladoras do que sentimos e do que nos preocupa.
A eleição de Obama veio trazer esperança de um mundo que se quer
re nova do (isso foi à moda da ~pi). Então não? Toda aquela gente empenhada que o elegeu, não estão eles mesmos transformados? A América, o mundo, vivem agora sob um forte símbolo de esperança que acarinharam. Ainda estamos expectantes mas a esperança renasceu. Gostei mesmo de ver Jesse Jackson emocionado, quem não viu? ( não foi só ele…) Há tempos, um comentário do pastor tinha dado o que falar…
Ver aqui, especialmente a divergência de Jackson com Obama sobre ‘a moralidade dos homens negros’ (condescendência, encontro noutro lugar, quando o assunto ‘moral’ deveria ser muito mais amplo) e onde diz que Obama também deveria falar sobre “a moral e responsabilidade coletiva do governo e das políticas públicas". E ainda suas palavras ao pedir desculpas à Obama.

http://www.bbc.co.uk/portuguese/reporterbbc/story/2008/07/080710_obamajjacksondesculpafn.shtml

Mas é verdade, um homem sozinho não pode fazer muita coisa com tantas forças que se opõe aos valores que porventura possa ter.
Mas a atitude de ver ‘o copo meio cheio’ ou cores belas nas árvores outonais e colorido no céu, esta já é um princípio de transformação. Melhor que só criticar, melhor que nada fazer e não ser capaz de acreditar, melhor que esperar receber passivamente.

É quem já está imbuído de esperança não se acomoda. Quer dialogar, reivindica e exige quando o diálogo ficou difícil. Trabalha e quer trabalhar mas quer respeito e afirma sua dignidade.

Nessa carta à Isaura há mais um momento que me parece fulcral, algo que se refere à viver nesse mundo com suas dificuldades, põe em cheque a capacidade de vivermos ainda segundo nossos valores (se bem entendi). Necessidades prementes, de todo dia, parecem que nos empurrar para mudarmos prioridades e valores...falou-se de filhos aqui..pois,…ontem (12) foi para esquecer! Para sermos fiéis à valores, de um lado, somos capazes de falhar por outro(??) Para esquecer ou melhor, integrar….filhos, pois…

Que dizer do que está nas nossas mãos? Vale à pena acreditar ainda?
Nietzsche fala do Homem capaz de Prometer, o homem do sim, capacidade esta que significa fidelidade à um projecto de futuro. Promessas são importantes mas é uma palavra algo desgastada (politicamente). Comprometer...comprometer-se. Pode fazer a diferença alguém capaz de comprometer-se com as pessoas, com prioridades, princípios e que este comprometimento esteja tão ligado à ‘fidelidade à si mesmo’ (Ortega y Gasset) que revele coragem política quando esta for necessária?

Não um homem sozinho, isso não costuma dar boa coisa a começar, pelo culto à personalidade...mulheres e homens comprometidos – isto sim - com uma visão de um mundo transformado (a parte que lhes cabe). Isso é ainda o melhor que conheço, difícil mas a melhor forma de as boas ideias chegarem a ter boa acolhida e serem postas em prática.
No meu rascunho não tinha usado a palavra ‘serviço’. Mas pensei. Vi depois que a Carminda usou-o. Sublinho então, Política como Serviço. Há quem pense e sinta assim!
(Prometo em próximos comentários escrever pouquinho)

***

Unknown disse...

Desta vez, nem me atrevo a comentar, porque há "polémica".
Não gostando de citar outros [já tive que o fazer por obrigação!], penso um pouco como o Michel Foucault e não gosto da "polémica". Gosto do diálogo e da possibilidade de partirmos daquilo que partilhamos, nem que seja "um pouco"...
.
[Beijos a todos os que partilaram este post"

poetaeusou . . . disse...

*
prosa deliciosa,
prosa mdsol,
,
brisas de amizade,
,
*

luis lourenço disse...

muito oportuna a sua postagem...A música do admirável Zeca e as tuas incisivas incursões sobre estes sinais dos tempos...

abraços

cristal disse...

Palavra que tenho pena de não ter tempo para continuar o diálogo. Não lhe chamaria polémica e penso que até será bom, quando tivermos tempo, trocar ideias e "iluminar" os cantos escuros das nossas respectivas fantasias acerca das nossas respectivas vivências "geracionais"... Como pessoa penso que é sempre abusivo aglomerar pessoas, transformando-as amálgamas grupais sejam os daqui ou dali, os desta cor ou da outra e, muito menos, os de uma geração ou de outra. Além do mais, julgar a história, qualquer história, se não for exercício de busca de compreensão acaba sempre por ser, ao menos, completa inutilidade. E por aqui me fico.

Manuel Veiga disse...

carta com muitos destinatários - pena que muitos a devolvam à precedência!...

por mim, li e guardo. com simpatia.