Gretta Sarfaty Marchant
travelling
(1997)
Queixa das almas jovens censuradas
Dão-nos um lírio e um canivete
e uma alma para ir à escola
mais um letreiro que promete
raízes, hastes e corola
Dão-nos um mapa imaginário
que tem a forma de uma cidade
mais um relógio e um calendário
onde não vem a nossa idade
Dão-nos a honra de manequim
para dar corda à nossa ausência.
Dão-nos um prêmio de ser assim
sem pecado e sem inocência
Dão-nos um barco e um chapéu
para tirarmos o retrato
Dão-nos bilhetes para o céu
levado à cena num teatro
Penteiam-nos os crânios ermos
com as cabeleiras das avós
para jamais nos parecermos
conosco quando estamos sós
Dão-nos um bolo que é a história
da nossa historia sem enredo
e não nos soa na memória
outra palavra que o medo
Temos fantasmas tão educados
que adormecemos no seu ombro
somos vazios despovoados
de personagens de assombro
Dão-nos a capa do evangelho
e um pacote de tabaco
dão-nos um pente e um espelho
pra pentearmos um macaco
Dão-nos um cravo preso à cabeça
e uma cabeça presa à cintura
para que o corpo não pareça
a forma da alma que o procura
Dão-nos um esquife feito de ferro
com embutidos de diamante
para organizar já o enterro
do nosso corpo mais adiante
Dão-nos um nome e um jornal
um avião e um violino
mas não nos dão o animal
que espeta os cornos no destino
Dão-nos marujos de papelão
com carimbo no passaporte
por isso a nossa dimensão
não é a vida, nem é a morte
Natália Correia, "O Nosso Amargo Cancioneiro"
José Mário Branco, queixa das almas jovens censuradas
[mal eu sabia que viajar nesta altura me pouparia desgostos presenciais... e enquanto o pau vai e vem folgam as costas... não se trata de fugir... trata-se de ter mais tempo e distância para...lidar com gente que não se enxerga ... não se preocupem...isto são desabafos muito caseirinhos... é que isto das prepotências e da tentativa de manipulação das consciências e da individualidade de cada um não se manifesta só à escala nacional.... é vê-los, muitas vezes críticos do que nacionalmente se faz, a exagerarem maus procedimentos e más práticas nas quintas em que têm reinados efémeros. uns tristes.]
14 comentários:
Lindíssimo!
Poesia extraordinária.
Bela escolha.
Bjs
lindissimo
as vezes penso que o que vejo no espelho sou eu
Jokas
Paula
num intendi nada, mas prontesssss!...
(não era para eu enxergar. certamente)
bom descanso.
abraço
Excelente rima cruzada...
Poema de difícil construção e denso, sendo belo.
:))
Beijos
dão-nos o vazio todo mas não um vazio
que se encha
apenas um vazio ermo, cheio de vazio puro,
belíssima exausta letra, música,,,
~
mdsol, mas afinal quem é que nao posso passar sem si....????
só hoje a menina pe podia apasiguar
na frustraçao de nao ter bilhete para ir "OUVER" O zé Mário...
o que me esfalfei por uma desistencia...
bom, mas na verdade ,os seus pots sa para mim uma homilia... mas só hoje lhe escrevo... até sempre
Ana
Então bom descanso Mdsol. Renova-te com o sol que dele precisas (não chove muito por lá, ou chove?).
Andas sempre a iluminar e a aquecer tanta gente por aqui...reencontra, re-encanta-te e retorna...inspirada.
***
Mdsol,
este poema é dos mais bonitos da Natália. Ouvi-lo na voz do Zé Mário Branco, é sempre um momento sentido, para mim.
Quanto à "boquita" no fim do post, não percebi a que ou quem te referias, mas o mal deve ser meu, que já não ando a "bater bem".:)))
Beijos
... a
in-ven-tar de-va-ga-r o teu
nome,
Como eu gosto da voz deste homem!...
O canto vem das entranhas...
[Beijo...]
E há tríades que vêm mesmo a calhar !
E não é todos os dias que se tem Natália Correia cantada por Zé Mário Branco ...
:))) José-Carlos
gostei muito do poema da Natália e da música do Zé Mário...
abraços
:)))))
Tudo me martela assim. Que há décadas o ouço dentro (desabafo caseirinho meu!).
Não nos dão o animal,
nem podemos espetar os cornos no destino.
Quantas vezes seguimos as baias obrigatórias: só o pensamento nos livra da arena.
E quanto percebo de distâncias oportunas, quem mas dera eu fazer.
Bj
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