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02 julho, 2008

verão habitado*

 


Staël, Nicolas de
the sun 
1953








O DEUS DO VERÃO

Chamar-te-ei deus porque és o meu desejo
e o meu desejo é o sol do ar, o sol do sol.
Sinto a febre fresca do teu hálito
na densa consciência deste verão.
Através da madeira ouço as vozes imóveis,
veladas, ao nível do silêncio.
Através de ti respiro na violência do calor
em que o sangue do tempo bate nas paredes.
Todas as figuras adormeceram no vazio.
Mas os teus mil ecos ressoam no sossego
e são eles que aprofundam esta câmara do estio.
Como tu concilias a solidão e a harmonia
e na vacuidade unificas as íntimas estrelas
com a surda veemência de um mundo submerso!
Ó transparente deus que sem estar estás
no sossego luminoso deste pequeno quarto
em que serena pulsa a verdade do ser vivo!

António Ramos Rosa in quinze poetas portugueses do séc. XX, selecção e prefácio de Gastão Cruz, 304

*(não confundir com habitação de verão)

14 junho, 2008

do sol, da vida, do verde, do silêncio...




Hopper, Edward
morning sun
(1952)







ESTOU VIVO E ESCREVO SOL

Eu escrevo versos ao meio dia
e a morte ao sol é uma cabeleira
que passa em frios frescos sob a minha cara de vivo
Estou vivo e escrevo sol.

Se as minhas lágrimas e os meus dentes cantam
no vazio fresco
é porque aboli todas as mentiras
e não sou mais que este momento puro
a coincidência perfeita no acto de escrever ao sol.

A vertigem única da verdade em riste
a nulidade de todas as próximas paragens
navego para o cimo
tombo na claridade simples
e os objectos atiram as suas faces
e na minha língua o sol trepida

Melhor que beber vinho é mais claro
ser no olhar o próprio olhar
a maravilha é este espaço aberto
a rua
um grito
a grande toalha do silêncio verde

António Ramos Rosa